O IPEA divulgou um estudo que mostra que a proporção de desempregados entre pobres que estudaram 11 anos ou mais é 3,7 vezes maior que entre pobres analfabetos, nas regiões metropolitanas do Brasil . Sobre esse resultado, Marcio Pochmann, presidente do instituto, deu as seguintes interessantes declarações; “É estranha a interpretação de que quanto maior a escolaridade (do trabalhador), maior é a chance de emprego, porque isso não ocorre com os mais pobres”. E completou: “Há uma barreira, do ponto de vista da inserção, para trabalhadores pobres, apesar da escolaridade. É o chamado QI, ou quem indica. Isso não ocorre com os menos escolarizados, porque esses não dependem das relações sociais para conseguir emprego”.
É aquela velha história: o problema do pobre é que seu amigo também é pobre.
Esse estudo do IPEA confirma com números o que Roberto DaMatta teorizou me “Carnavais, Malandros e Heróis”: “No Brasil, o ato de individualizar-se pode ser equivalente a uma renúncia do mundo, mas (...) o indivíduo é também aquela entidade social que pertence ao mundo anônimo das massas. (...) Trata-se (...) de recusar um poderoso sistema de relações pessoais. E isso, no caso brasileiro, conduz à rejeição da família, do compadrio, da amizade e do parentesco, deixando quem assim procede na situação de certos migrantes nossos conhecidos: inteiramente submetidos às leis impessoais da exploração do trabalho e ainda aos decretos e regulamentos que governam as massas que não têm nenhuma relação. Por serem assim é que podem ser exploradas através de um conjunto de leis impessoais. Quando se trata de rejeitar o mundo, rejeita-se no Brasil o universo das relações pessoais, para cair de quatro no universo das leis impessoais, essas regras que esfolam e submetem todos os desprotegidos (ou seja, gente sem relações, gente indivisa)”. E continua: “No Brasil, (...) o sistema é dual: de um lado, existe o conjunto de relações pessoais estruturais, sem as quais ninguém pode existir como ser humano completo; de outro, há um sistema legal, moderno, individualista (ou melhor: fundado no indivíduo), modelado e inspirado na ideologia liberal e burguesa. É esse sistema de leis, feito por quem tem relações poderosas, que submete as massas. (...) A consequência disso é uma estrutura dual que tende a autoalimentar-se na dialética da lei draconiana e impessoal e do sistema de relações pessoais que permite, por causa disso mesmo, saltar a regra e o decreto. Daí a profunda verdade sociológica do ditado: “Aos inimigos, a lei; aos amigos, tudo!” Dir-se-ia (...) que: “aos bem relacionados, tudo; aos indivíduos (os que não tem relações), a lei””.
Meus amigos, vamos trocar tudo isso em miúdos: o estudo do IPEA confirma o que escreveu Damatta há mais de três décadas e prova por A + B que nosso capitalismo é realmente de compadres.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
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9 comentários:
haha, mt boa. vc acabou de antecipar a parte tres do meu texto lá sobre os privilegiados! :)
Valeu, Alex!
Tô ansioso pra ler as outras partes da sua série sobre os privilegiados. Ela está tão imperdível quanto a série sobre racismo!
Um abraço
Nada mais real. Eu mesmo sinto isso na pele, como pobre e estudado. Acredito que, sem os estudos e as ambições (e limitações) que dele derivam, com certeza já teria saído do desemprego que me segura há um ano.
Eu poderia me estender aqui endossando seu ponto de vista com exemplos pessoais de colegas que, com os mesmos méritos que eu -- ou com menos --, se mantêm empregados; mas vou deixar isso pra lembrar da contradição falaciosa que é o tal discurso liberal clássico da classe média, personificado no tal do "self-made man".
Não que esse homem não possa existir. Ele não existe em terras tupiniquins. A classe B, para dar nome aos bois, vive exaltando a importância da livre iniciativa, do empreendedorismo e da altivez na tomada de riscos, mas suas gerações ativas estão longe de querer fazer desse discurso a prática social. Preferem rememorar quimericamente "a vida sofrida" de seus antepassados europeus ao chegarem na América -- sem fazer menção do padrão de relacionamento clientelista que esses imigrantes estabeleceram tão logo se consolidaram enquanto classe dominante.
É aquela história do almoço grátis que você nos contou num post anterior. "Liberalismo pero no mucho".
Um abraço,
Flávio.
Bruno,
Senti na pele - e paguei um preço caríssimo - pela recusa em aderir a qualquer espécie de compadrio. Fosse eu uma pessoa voltada à acumulação material, o prejuízo teria sido enorme. Mas não me arrependo nem um pouco.
Obrigado por me lembrar que um dia, antes de aderir ao ideário da "grande imprensa", Roberto DaMatta escreveu coisas que faziam muito sentido.
Um abraço,
Maurício.
Flávio,
Muito obrigado pelo seu depoimento e pelo seu comentário.
Maurício,
Realmente, quando leio DaMatta n'O Globo sou assaltado pelos mesmos sentimentos confusos que quando leio Ferreira Gullar na Folha...
Abraços,
Excelente comparação do estudo do IPEA com o pensamento de Roberto DaMatta. O "QI" é um ótimo instrumento para manter os privilégios de uns poucos no Brasil, pois a elite não gosta muito desse papo de deixar os seus filhos disputando vagas de igual para igual com pobres e negros.
Minha irmã trabalha numa empresa norte-americana aqui no Brasil e a política é totalmente diferente: para um parente de alguém entrar, ou um indicado qualquer, é praticamente impossível. Isso sim é capitalismo - para entrar, é preciso ter mérito.
Bruno, ótimo texto. o nosso "capitalismo" nem nunca existiu, assim como nosso véio Weber bom de guerra definiu :-)
Na terra dos amigos dos amigos, onde a teoria das elites encontra e se resfastela no patrimonialismo, falar em meritocracia, competição, igualdade é quase uma piada.
abração, k.
Rafael e Kelly,
Concordo com vocês, falar em meritocracia no Brasil é uma piada...
E o engraçado é que os mesmos que se beneficiam das "relações", do compadrio, do QI, são os que reclamam das cotas raciais e/ou sociais, alegando que isso fere o princípio, er, da meritocracia...
Abraços
Enquanto isso, no céu, Raymundo Faoro chuta gatos...
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