domingo, 21 de novembro de 2010

"Só quem é negro sabe o que sofre"

O jornal "Correio Brasiliense", em homenagem ao centenário da morte de Joaquim Nabuco, iniciou hoje uma séria de reportagens chamada "Negra Brasília", contando as histórias de "quem experimenta o preconceito, as dúvidas, as angústias, os medos, a raiva, as conquistas, a dor e a delícia de ter a identidade negra". As personagens de hoje são as gêmeas Karen (foto) e Karina, promissoras modelos.

Especialmente para os que alegam que não há racismo no Brasil e/ou menosprezam os seus efeitos na população negromestiça, reproduzirei aqui o depoimento de Karen (que tem apenas 15 anos!) para o jornal:

"Minha mãe é professora, ela mora em Brasília há mais de 20 anos. Não sei muito do meu pai, ele é um pai ausente, mas para a gente isso é uma coisa insignificante. Na minha infância, estudei na Tia Elza, uma escola particular aqui perto. Depois, estudei em duas escolas públicas no Guará. Continuamos em escolas públicas até hoje. A gente era muito odiada pelas meninas porque era muito metida, a gente se achava demais. Sempre me achei bonita, mas nunca aceitei a minha cor. Eu sempre falava "Ah, eu deveria ser branca". Porque na escola a gente era chamada de Chica da Silva, de um monte de apelidos.

Antes de ser modelo, só usávamos calça jeans até o pé, porque a gente morria de vergonha de nossas perninhas fininhas. Depois que a gente virou modelo, quase não usa mais calça, usa muito short, vestido. Eu me achava bonita, mas não gostava da cor da minha pele, do cabelo e da altura, me achava muito alta. Na escola, a gente era as mais altas. Hoje me acho a mulher mais bonita do mundo. Depois, se a gente não se achar, quem é que vai acha? Na escola, quando alguém chamava a gente de Chica da Silva, macaca, Pepê e Neném (dupla de cantoras gêmeas cariocas), a gente reagia, gritava, ia à diretoria. A gente não deixava barato, não levava desaforo pra casa, Revidava de todo jeito, só que era pior.

Minha mãe botou na minha cabeça que era pra eu ser médica, E falou o que cada filha tinha que ser. E a gente ficou com isso na cabeça, só que depois de uma certa idade, a gente fica ciente do que quer. E quero fazer direito, porque sei que a carreira de modelo não é para sempre. As cotas são necessárias, porque vamos ser bem sinceros... se não tiver... os produtores vivem nos falando: "Pra uma negra pegar um trabalho, ela precisa ser muito boa. Tem que estar perfeita, muito melhor que uma branca". Meus amigos todos falam que as cotas para a universidade são desnecessárias, porque é uma forma de racismo. Pode até ser pra eles, mas só quem é negro sabe o que sofre..."