Este trecho do documento comprova que há um nítido corte entre o governo FHC e o governo Lula: “Entre 1995 e 2008, por exemplo, a queda média anual na taxa nacional de pobreza absoluta (até meio salário mínimo per capita) foi de -0,9%, enquanto na taxa nacional de pobreza extrema (até ¼ de salário mínimo per capita) foi de -0,8% a.a. Para o período mais recente (2003/08), a queda média anual na taxa nacional de pobreza absoluta (até meio salário mínimo per capita) foi de –3,1%, enquanto na taxa nacional de pobreza extrema (até ¼ de salário mínimo per capita) foi de -2,1% a.a.”
O documento então arremata: “Se projetados os melhores desempenhos brasileiros alcançados recentemente em termos de diminuição da pobreza e da desigualdade (período 2003-2008) para o ano de 2016, o resultado seria um quadro social muito positivo. O Brasil pode praticamente superar o problema de pobreza extrema, assim como alcançar uma taxa nacional de pobreza absoluta de apenas 4%, o que significa quase sua erradicação. Já o índice de Gini poderá ser de 0,488, um pouco abaixo do verificado em 1960 (0,499), ano da primeira pesquisa sobre desigualdade de renda no Brasil pelo IBGE.
“Ou seja, mantendo o mesmo ritmo de diminuição da pobreza e da desigualdade de renda observado nos último cinco anos, o Brasil poderia alcançar o ano de 2016 com indicadores sociais próximos aos dos países desenvolvidos. Enquanto a pobreza extrema poderia ser praticamente superada, a desigualdade da renda do trabalho tenderia a estar abaixo de 0,5 do índice de Gini”.
Pô, isso é uma coisa fantástica, que ninguém poderia esperar há 10 anos! É preciso ser um oligofrênico, um mal-intencionado ou um cego pela paixão política para não reconhecer esses avanços. Num país que sempre se caracterizou pelo “descompasso entre os indicadores econômicos e sociais”, Lula conseguiu aliar crescimento econômico ( especialmente no segundo mandato, graças aos programas sociais, ao aumento real do salário mínimo e aos investimentos do PAC) e diminuição acelerada da pobreza e da desigualdade de renda.
O documento, no entanto, indica algumas condições para que a diminuição da desigualdade social continue nesse ritmo. Uma especialmente me chamou a atenção: é necessário que o padrão tributário brasileiro passe de perversamente regressivo para progressivo. Veja o gráfico:
Isso derruba aquele velho argumento de que as classes média e alta são sacrificadas no Brasil. Elas, tadinhas, carregam o país nas costas. São sobretaxadas para que o governo federal dê o “bolsa-esmola” para os vagabundos que não querem trabalhar. Nada disso. O que fica claro é que quem mais se sacrifica para pagar impostos são justamente os que ganham menos. As famílias que tem rendimento de até 2 salários mínimos gastam quase 50% do que ganham com impostos!
A inversão desse padrão tributário perverso é uma bandeira que a esquerda deveria empunhar com entusiasmo.
12 comentários:
Bruno,
Excelente post. Você abordou bem os avanços dos anos Lula. Aliás, a questão dessa inversão tributária e a desigualdade social andam lado a lado. O Estado é sim um instrumento produtor de desigualdades no Brasil; é como se tivesse um marinheiro botando água dentro do navio e outro tirando - a diferença é que no governo atual, o marinheiro que trabalha tirando a água passou a trabalhar mais rápido do que o seu companheiro, o que não torna o processo menos esquizofrênico, apenas diminui suas consequências.
A resolução da inversão tributária e a taxação de grandes fortunas, heranças e sobre especulação financeira poderiam diminuir consideravelmente a desigualdade social no Brasil. Se tecnicamente isso é fácil, politicamente, isso muda, mas se o governo atual enfrentasse essa situação com a mesma coragem que toca a sua política de relações exteriores, eu não tenho dúvida que poderiam ter acontecido avanços muito maiores. A verdade é que falta um Celso Amorim na Economia.
Sobre o PAC, em que pese seus defeitos, é o primeiro projeto desenvolvimentista do Brasil a conseguir conjugar crescimento, desenvolvimento social e equilíbrio monetário. Não é pouca coisa. Se Lula tivesse dado mais ouvidos aos economistas desenvolvimentistas no seu primeiro mandato, estaríamos numa situação bem melhor.
São debates bastante sérios e reais que, no entanto, a oposição ao governo não aborda de modo frontal - assim como alas dentro do próprio PT. A oposição à direita, por sua vez, não tem nenhuma solução, muito pelo contrário - e é disso que se trata o pleito deste ano.
abraços
Grande Hugo! Obrigado pelo elogio e pelo comentário preciso. Adorei a imagem que você criou: "O Estado é sim um instrumento produtor de desigualdades no Brasil; é como se tivesse um marinheiro botando água dentro do navio e outro tirando - a diferença é que no governo atual, o marinheiro que trabalha tirando a água passou a trabalhar mais rápido do que o seu companheiro, o que não torna o processo menos esquizofrênico, apenas diminui suas consequências."
Concordo com você. O debate sobre a inversão do padrão tributário brasileiro se faz urgente. Os impostos incidindo mais entre os mais pobres é, sem dúvida, um gigantesco entrave a uma queda ainda mais vigorosa na desigualdade social. Esse problema precisa ser enfrentado o quanto antes.
E, sem dúvida, seria ótimo um Celso Amorim na Economia! E na Defesa, na Agricultura...
Um abraço,
Bruno
Perverso mesmo. Porém tem apenas um contra-ponto. A classe média gasta muito com segurança, educação e saúde. É disso que ela reclama, ou seja, que o estado não lhe retribui o imposto pago. Não que eu concorde plenamente, mas acho eles tem um pouco de razão. O lado interessante é que ao mesmo tempo que reclamam da ausência do Estado, apoiam a ideologia do Estado mínimo... vai entender.
Andre,
O ponto é que a classe trabalhadora recebe uma retribuição menor ainda - realativamente à proporção do que paga de impostos, o que se torna mais complexo ainda se pensarmos levando em conta suas necessidades. A prova disso, inclusive, era o empobrecimento da classe trabalhadora enquanto certa parte dessa "classe média" passou incólume à estagnação econômica dos anos 80 e 90 - afinal, economia não é "pingue", mas "pingue-pongue", não é custo, é custo-benefício.
Aliás, é sempre complicado falar de "classe média", afinal, trata-se de um agrupamento incerto e difuso que une desde profissionais liberais, funcionários públicos à partir de certa renda, a pequena-burguesia - agrícola, industrial ou comercial - e trabalhadores que exercem cargos intermediários na hierarquia das empresas privadas.
É difícil falar, portanto, em uma simetria razoável das consequências dos fenômenos econômicos em relação a todos os setores dessa classe - é verdade, uma parte da "classe média" empobreceu nos anos 80 e 90, outra, longe disso, como prova o fato de que o PSDB ainda tinha algo em torno de um quarto do eleitorado nacional consolidado em torno de seu projeto em 2002 - a despeito do fracasso do segundo mandato de FHC.
Nesse sentido, existem certos setores da "classe média" que são favoráveis ao Estado mínimo porque ganharam ou podem ganhar em cima dos negócios da privatização - outros, como os funcionários públicos, nem tanto. De qualquer modo, o sistema tal como é, promove acesso à serviços privados bons para boa parte dessa "classe média" e o mesmo não acontece com os trabalhadores comuns, pois serviços como saúde e educação estão mercantilizados - reclama-se, mas vive-se melhor e isso não é fruto do "trabalho individual", mas da organização social do trabalho e da distribuição da renda (seja por via salarial, tributária ou financeira em sentido estrito). Fosse diferente, não haveria diferenças que fundamentassem uma distinção entre "médio-classistas" e "pobres".
Também há uma dissonância cognitiva fruto de uma anomalia ideológica: Há mesmo quem defenda a social-democracia para si - ou pelo menos o desejo de bons serviços públicos para si e para os seus - e seja contra uma carga tributária condizente - o que é um claro fruto da alienação produzida pela ideologia hegemônica, de incapacidade de relacionar, utilitariamente que seja, uma coisa com a outra.
Mas a esquerda prefere provocar a direita. Fazer o quê. A hora é de eleger Dilma pra isso tudo ter continuidade.
Incrível que a CartaCapital usa os mesmos dados para afirmar que "o vanço registrado nos últimos anos é limitadíssimo". O curioso é que a revista se furta a fazer a comparação com os dados para o período 1995-2008.
Outra coisa. Repare que essas taxas de 0,8% e 0,9% se referem ao período 1995-2008, ou seja, englobam o governo FHC e seis anos do governo Lula. Considerando apenas o governo Lula, 2003-2008, as taxas sobem para 2,1% e 3,1%. Alguém aí consegue, com base nesses dados fazer a conta para o período 1995-2002? Assim, teríamos um corte por governo -- e acho que os dados para o governo FHC seriam ainda mais baixos.
O IPEA parece evitar, durante todo o estudo oferecido, fazer um corte por governo, preferindo se referir às mudanças após a Constituição de 1988. Seria bom se a gente conseguisse transformar esses dados.
E é impressionante o quadro da carga tributária. Maravilha.
Abraço.
Victor,
Por esses dados, a taxa nacional de pobreza absoluta cresceu a uma taxa de o,92% ao ano durantes os anos FHC (pois 3,1% X 6anos de Lula = 18,6%, enquanto 0,9% x 14 anos = 11,2%, o que dá uma diferença negativa de 7,4 que dividida por 8 anos de Governo FHYC dá isso daí mesmo) - enquanto a taxa de pobreza extrema registrou queda zero (afinal, 2,1% x 6 = 0,9 X 14).
Enfim, a divulgação dos dados dessa maneira esconde o aumento da pobreza no Governo FHC e estabelece uma comparação falsa: Os dados de Lula comparados com seus dados ajudando os de FHC! Nada mais desonesto. Se a CartaCapital usou isso para criticar o Governo, tem algo mais aí - honestamente, nem me dou ao luxo de ler esse semanário desde que o caso Battisti veio à tona.
abraços
Hugo,
Obrigado por essa conta. Isso responde o questionamento do Victor. E, mais uma vez, concordo com você: estou desapontado com a Carta Capital desde que estourou o caso Battisti!
Um abraço
Já eu estou com a Carta Capital no caso Battisti.
E com as críticas ao governo Lula também.
Note-se que desde os anos 80 nós da esquerda viemos acreditando que "Lula lá" seria quase um equivalente da revolução socialista só que pela via democrática, o que fez com que o governo atual seja altamente decepcionante.
Tem a questão da estrutura tributária mencionada no texto. Além dela tributar os mais pobres, ela tributa demais o trabalho, e pouco o capital - estimulando mais a especulação financeira que a produção física.
A estrutura tributária também favorece um modelo econômico de exportador de produtos primários, enquanto continuamos fortes importadores de produtos de alto valor agregado.
Coisas que o governo Lula não mudou. Não foi um governo de esquerda, eu diria.
A questão do combate à pobreza foi muito pontual, apenas pelo aspecto do aumento da renda dos mais pobres.
Uma política louvável e extremamente necessária. E também muito viável do ponto de vista das contas públicas.
Mas insuficiente. Aliás, em 2010, com o Brasil sendo um dos poucos países cuja renda para consumo não está em queda, veremos um colapso nas contas externas, com o aumento das importações que já vai se desenhando.
Quase tudo que o governo Lula vem fazendo de bom começou tarde demais e segue muito tímido. Caso do PAC, do PNDH-3, das políticas na área de educação, etc., etc.
Se fosse para resumir o atual governo em uma frase eu diria: "foi o governo que deixou o medo vencer a esperança".
Explico: o medo de desandar a economia pautou todas as ações - especialmente o excessivo poder dentro do Estado dado a homens como Palocci e Meirelles.
A maior vitória que considero foi o fato de que nunca mais uma provável vitória do PT em eleições possa ser usada como ameaça. O PT não é mais uma ameaça - é um player do jogo democrático.
E isso, em se tratando de um país com quase nenhuma tradição de democracia institucionalizada, é um tremendo avanço. Que ainda nem somos capazes de avaliar.
André,
Na boa, quem acreditava que a eleição de Lula seria uma revolução socialista por via democrática parou em 1989. Quem acompanhou a eleição de 2002 e leu a "Carta aos Brasileiros" sabia perfeitamente que Lula governaria dentro das regras do jogo, com tudo que isso tem de bom e ruim.
Também discordo da sua opinião de que Lula não tem feito um governo de esquerda. Acho que há um nítido corte entre o 1º e o 2º mandato do petista. O primeiro foi de centro; o segundo, de centro-esquerda. Entre 2002 ee 2006, Lula esteve sempre na defensiva: a calamidade econômica com a qual ele teve que lidar no início do mandato, o "curva de aprendizado" pela qual ele e o PT passaram, a crise política de 2005 e 2006...Ainda sim ele inverteu prioridades que culminaram com conquistas do segundo mandato: aumento de investimento em infraestrutura, diminuição das desigualdades, maior investimento em educação, maior respeito internacional pelo Brasil, diminuição da velocidade no desmatamento da amazônia...
Quanto a essa afirmação de que em 2010 as contas externas entrarão em colapso, eu não acredito nisso. Pelo contrário...
Um abraço
Post replicado: http://blogoleone.blogspot.com/2010/03/uma-bandeira-para-esquerda.html
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