terça-feira, 28 de abril de 2009

A doença da Dilma

O assunto do momento é o linfoma da ministra Dilma Roussef. Como ela é pré-candidata à presidência da república, toda sorte de especulações estão sendo ventiladas, na imprensa e na blogosfera. Deixa então eu tentar contribuir para o debate.

1º) O câncer da ministra, ao que tudo indica, foi diagnosticado num estágio muito inicial. Seus médicos disseram que sua chance de cura é maior que 90% (atenção: taxa de cura é diferente de sobrevida em 5 anos ou 10 anos). Não há razão para duvidar das afirmações deles, até porque eles têm dados que nós não temos, como, por exemplo, os genes encontrados no exame realizado na lesão extirpada. Esses genes têm grande importância no prognóstico. Então, contestar a afirmação dos seus médicos usando dados encontrados no google é, no mínimo, uma irresponsabilidade. Tem outro detalhe muito importante, ela está sendo tratada num dos melhores hospitais e pelos melhores profissionais do Brasil. Não duvidem, isso é realmente muito importante.

2º) A quimioterapia a qual a ministra será submetida não é esse bicho-de-sete-cabeças todo, não. Existem novas drogas, que são usadas para esse tipo de linfoma, que são muito diferentes daquelas usadas em outros tipos de câncer. Elas têm muito menos efeitos colaterais e são muito menos debilitantes que as outras. Além disso, ela fará, provavelmente, seis aplicações ao longo de 4 meses. Muito diferente, portanto, daquele tratamento degradante que muitos tem em mente quando pensa em quimioterapia. Eu não tenho razões para duvidar que a ministra poderá seguir trabalhando normalmente durante o período de tratamento.

3º) Toda essa comoção se deve, em grande medida, ao estigma que carrega a palavra câncer. Ora, existem cânceres e cânceres. Vou dar um exemplo da minha área: existem alguns tipos de câncer de próstata que hoje em dia recomendamos apenas acompanhamento, sem nenhum tipo de tratamento! Acreditamos que para esses tipos específicos de câncer o tratamento é mais maléfico para o paciente do que o tumor em si. Nesses casos, o câncer é tão indolente que a pessoa morrerá de outra doença, a mesma que seria a causa da sua morte se ele não tivesse o tumor.

(conheço um político muito importante que teve um tumor de próstata operado há uns 20 anos e está aí na ativa até hoje).

Bom, essa historinha do câncer de próstata que eu contei é só para ilustrar a minha afirmação de que existem cânceres e cânceres...

4º) Outro exemplo para mostrar o quanto a palavra câncer é estigmatizada: alguém se preocupa demasiadamente se esse ou aquele candidato tem insuficiência cardíaca? Tenho certeza que não. Pois saibam que o prognóstico de quem é portador desse tipo de doença é, em média, muito pior do que quem tem linfoma não-Hodgkin de grandes células em estadio 1A. Duvida? Veja esse estudo.

Espero que esse post não tenha ficado muito confuso...

***
Esse assunto todo me lembrou uma eleição para prefeito da minha cidade. Acho que foi em 1992. Tinham 2 candidatos. Cada um representando uma oligarquia local, rivais entre si. Um dos candidatos, o que era apoiado pelo meu pai, tinha na época uns 82 anos. A turma adversária alegava que não era razoável votar nele, pois ele tinha grande chance morrer antes de terminar o mandato. Esse argumento tomou conta da cidade, estava na boca de muita gente. Então, num comício, em cima do palanque, meu pai resolveu retrucar, bradando como um louco:

-- Estão dizendo que não se deve votar num candidato honesto, trabalhador, comprometido com o povo, só porque ele é idoso... Dizem que ele vai morrer antes de terminar o mandato...Pois eu digo: que morram eles! Que morram eles!

"Que morram eles" virou um mote de campanha e o candidato do meu pai acabou vencendo por cerca de 80 votos de diferença. E ele não só completou o mandato como está vivo até hoje, com quase 100 anos (ironia: ele hoje é aliado da turma que dizia que ele não viveria o suficiente para completar o mandato de 4 anos).

2 comentários:

NPTO disse...

Caramba, Bruno, muito bom. Você é médico?

Bruno disse...

Sou sim.