segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Eu também tenho a minha lista

Vai chegando o final de 2008 e com ele as listas de melhores do ano. Como eu as adoro, resolvi fazer a minha, uma pequena seleção dos melhores livros de autores brasileiros que li nesse ano. Para isso precisei antes estabelecer algumas condições:

1) Não entraria releitura. Nesse ano reli Capitães de areia, A morte e a morte de Quincas Berro d’água, Angústia, Vidas Secas..., livros que, não fosse essa cláusula, fatalmente estariam na lista.

2) Daria prioridade a livros mais recentes. Na seleção final entrou apenas um livro anterior a 2006, e logo vocês conhecerão o motivo.

3) Só entrariam livros sensacionais, só ser bom não bastaria.

4) Teria que estar aqui em casa para sair nessa foto acima (ora bolas). Quando tenho a oportunidade de ir à casa dos meus pais, no interior do Estado, eu aproveito e levo os livros já lidos para serem guardados lá, pois o meu apartamento aqui em BH é, digamos, minúsculo. Por isso, a grande maioria dos livros selecionados foi lida na segunda metade do ano.

Esclarecidas as condições, confesso que um tanto aleatórias, vamos aos selecionados:

Órfãos do Eldorado: Esse romance é quarto de um dos maiores escritores em atividade no Brasil, o amazonense Milton Hatoum. O primeiro livro que li dele foi Dois Irmãos, em 2001. Este é ainda o melhor romance dele na minha opinião – já li todos os 4 - e um dos melhores, se não o melhor, livros de autores brasileiros publicados nesse século. Órfãos do Eldorado é ambientado no Estado do Amazonas e utiliza tipos e especificidades locais para tratar de temas universais, o que é uma constante na obra do autor. Hatoum é um tipo raro de escritor: escreve pouco e o pouco que escreve se destina a se tornar uma obra-prima ou, no mínimo, um excelente livro. Com Órfãos do Eldorado, ele fez o que se poderia esperar dele: mais um livro sensacional para o seu currículo.

Baú de Ossos: Esse livro é o único da lista que desobedece a alguma das minhas condições. É de 1972 e foi lido no começo do ano (não sei por que ele ficou aqui no meu apê, talvez porque eu, na época, tivesse ficado tão encantado com o ele que pensava relê-lo em breve). Baú de ossos é o primeiro livro de memórias de Pedro Nava, considerado o maior memorialista do Brasil, e foi escrito já na sua maturidade, quando já era um médico reumatologista muito respeitado. No livro, ele vai contando a história de sua família, desde seus bisavós maternos e paternos até chegar à sua própria infância, tudo bem mineiramente. Outro importante personagem dessa história é Minas Gerais, que tem todas as suas regiões e fases históricas descritas de maneira deliciosa. Enfim, é um livro apaixonante de um escritor sensacional. Ah, por que eu abri exceção para um livro que não atendia a alguma das minhas condições? Porque não consegui deixar de fora o principal livro de um autor que eu li pela primeira vez nesse ano e me apaixonei à primeira lida.

A utopia brasileira e os movimentos negros: Antônio Risério escreveu o que é considerado por muitos o principal livro que trata de raça e racismo no Brasil. Dele, eu só tinha lido um livro de poemas chamado Brasibraseiro, escrito em parceria com Frederico Barbosa, e até esse ano eu não sabia o quão arguto pensador ele era. Em A utopia... Risério faz uma análise muito interessante sobre a inserção dos negros na sociedade brasileira e na americana, desde a chegada dos primeiros negros da África até hoje, destaca as flagrantes diferenças e especificidades e concluí que é um erro o movimento negro brasileiro querer imitar o americano, como vem acontecendo há alguns anos. No decorrer do livro, ele analisa o racismo à brasileira, o papel dos negros no desenvolvimento do futebol e da cultura brasileira, o papel da mestiçagem na integração do negro na sociedade, o erro do conceito de “democracia racial”, que erradamente é atribuído a GilbertoFreyre, e muito mais (nem de longe dá para resumir esse livro em poucas palavras aqui. É preciso lê-lo. É quase que obrigatório). Além do conteúdo, Risério se preocupa muito com a forma. Foge de academicismos e escreve numa linguagem límpida, com um texto saborosíssimo.

O filho eterno: Escrito por Cristovão Tezza, ele ganhou quase todos os prêmios literários esse ano: Jabuti, Portugal Telecom, APCA, Prêmio São Paulo de Literatura, Prêmio Bravo!...Não há muito mais a dizer desse livro além do que já foi dito. Sobre ele, escrevi um post que é um dos mais lidos do blog.

Veneno remédio: Muito acreditam que no Brasil se joga o melhor futebol no mundo. No entanto, ele, o futebol, é pouco representado no nosso cinema, na nossa literatura, e pouco pensado por nossos intelectuais. José Miguel Wisnik deu um grande passo para sanar esta deficiência. Com a "desculpa" de analisar o futebol, ele fez um amplo estudo da sociedade e da cultura brasileira do século passado. Para quem gosta de futebol, e talvez até para quem não gosta, é um livro imperdível, dos mais significativos publicados nesse ano.

Um defeito de cor: Ainda estou na metade do livro, mas já deu para notar que tudo o que disseram dele é verdade. Já é um clássico. Daqui a vinte ou trinta anos, os professores de literatura estudarão esse livro minuciosamente com os seus alunos, assim como os meus professores fizeram com Grande Sertão: Veredas ou São Bernardo. Ana Maria Gonçalves, a autora, narra a história de Kehinde, negra que foi capturada na África ainda com oito anos de idade para ser escrava no Brasil. E reconstitui o Brasil do século XIX, com seus sinhôs e sinhás e escravos, suas relações, as diversas etnias africanas que chegaram ao Brasil naquela época, suas religiões e sincretismos, seus orixás e voduns, suas revoltas, enfim, faz um baita painel da sociedade brasileira daquela época. Esse é aquele tipo de livro que te põe num dilema: você fica doido para ler e saber o que vai acontecer, mas você não quer que ele acabe nunca!

PS: esse post não tem nenhuma pretensão de ser uma crítica literária. São apenas impressões de um leitor comum.

6 comentários:

Anônimo disse...

Bruno, passei aqui para te mandar um abraço, foi um prazer te conhecer. Acrescento que gostei muito do seu blog, você tem é de dar um jeito de divulgá-lo mais, porque conteúdo não lhe falta.

Bruno disse...

Paulo, foi um grande prazer para mim também conhecer você e a sua esposa. A noite foi sensacional, o problema foi a ressaca hoje:-)

Muito obrigado pela visita e pelos elogios. Vindos de você, fico muito honrado.

Quando vier de novo a BH, me dá um toque para a gente combinar alguma coisa... (brunopinheiro10@hotmail.com)

Um abraço

Anônimo disse...

li o 'Órfãos': maravilhoso.

li tmb alguns do Tezza, mas não 'O filho eterno'. você é mais um a indicá-lo. tenho que ler urgentemente.

abraço.

Bruno disse...

Daniel, você tem que ler urgentemente mesmo!

Claudio Costa disse...

Bruno, foi ótimo conhecê-lo no Kaldos, em companhia de outras tantas figuras interessantes. Valeu a noite. Gostei de sua lista e compartilho sua opinião sobre Um defeito de cor, da Ana. Abração, Feliz Natal e... que venham outros encontros. Agora vou passear no seu blog.

Bruno disse...

Valeu, Dr Claudio. E que venham outros encontros mesmo...