Como o prometido, vou falar um pouquinho do documentário "Simonal, ninguém sabe o duro que dei" que assisti no último fim de semana.
Quem ainda não viu o filme e pretende vê-lo, deve imediatamente parar de ler esse post.
O documentário se baseia em depoimentos de contemporâneos, adversários, amigos e familiares do cantor e em imagens de arquivo para montar uma espécie de biografia de um dos primeiros pop stars brasileiros.
Simonal era o cantor mais popular do Brasil entre meados dos anos 60 e início dos 70 graças à sua voz marcante, seu talento inquestionável e seu carisma raro. Era mais popular que Roberto Carlos, ou seja, era o cara! Em vez de cantar Tom Jobim ou Chico Buarque, preferia "Meu limão, meu limoeiro" e Carlos Imperial. Ele interpretava canções despretensiosas, nada engajadas, feitas para dançar. Foi o grande intérprete das canções de Jorge Ben.
Fazer músicas "para dançar" não seria um grande problema se não fosse o período turbulento que o Brasil vivia. Era o Brasil da ditadura, do AI5, da radicalização à direita e à esquerda. Ao que tudo indica Simonal não estava preocupado com política. Queria só saber de dinheiro, "carangos" e mulheres. Isso, lógico, incomodava a nossa esquerda. Posso imaginar o discurso: "Porra, os milicos matando todo mundo e o negão só andando de Mercedes, pegando os brotos e cantando Mó num patropí!"
E aí, bom, aí Simonal, no auge do sucesso, ganhando e gastando dinheiro adoidado, descobre que está quebrado. Ele achava que culpa não era da sua ostentação (o cara tinha 3 Mercedes!), mas do seu contador, que o estaria roubando. Então Simonal o despediu. Era o início do fim.
O contador então moveu um processo trabalhista contra Simonal, que ficou injuriado e pediu para uns amigos policiais darem uma prensa no ex-funcionário. Para piorar as coisas, ele foi levado para o DOPS, onde foi brutalmente torturado. Quando isso veio à tona e Simonal foi chamado a depor, ele, achando que estava sendo esperto, sapecou a seguinte frase: "Sou de direita e tenho muitos serviços prestados à revolução". E disse ainda que o cara fora levado ao DOPS porque era terrorista. Bom, Simonal se declarou de direita, denunciou uma pessoa ao DOPS, cantava musicas consideradas ufanistas... Ora, não havia dúvidas, Simonal era um informante dos milicos, um dedo-duro, um judas!
Depois desse episódio, Simonal começou a ser boicotado: não era chamado para programas de televisão, seus discos saíram das prateleiras, não era contratado para shows, era hostilizado por colegas, detonado pelo Pasquim... No fim das contas, não se falou em Wilson Simonal por quase trinta anos no Brasil. Ele era um pária. Morreu, aos 62 anos, vítima de cirrose hepática causada pelo consumo excessivo de álcool.
Tudo isso aí é contado no documentário. Em minha opinião, é um bom filme, cujo principal mérito é não julgar Simonal. Os diretores procuraram mostras os fatos, as versões, e os expectadores que tirem suas próprias conclusões. No entanto, senti falta de algumas coisas. O documentário toca somente en passant no nome de Carlos Imperial. Ora, quem conhece Simonal sabe da importância que Imperial teve, para o bem ou para o mal, para a sua carreira. Essa influência deveria ter sido mais bem explorada. A sua infância pobre e sua ascensão por meio da música também poderiam ter sido mais detalhadas. Para quem vê o filme, não fica claro como Simonal chegou lá, ao estrelato. Como começou a cantar na noite? Quem foi importante no início de carreira? Onde se apresentava antes de ir para o Beco das Garrafas? Tudo isso ficou sem resposta ou, pelo menos, sem resposta satisfatória. Mas, só pelo fato de colocar o nome de Simonal na boca das pessoas novamente, o documentário já desempenhou com louvor o seu papel.
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Infelizmente, parece que o filme não anda muito bem das pernas, pelo menos aqui em BH.
Eu já tinha declarado aqui que Simonal ocupa um lugar de muito destaque na minha memória afetiva. Associo a sua música a momentos muito alegres da minha infância e adolescência. Quando ouço "Sá Marina" ou "Mustang cor de sangue" me lembro imediatamente das noites de sexta-feira em que meu pai tomava o seu Whisky, colocava Simonal para tocar e nós ficávamos dançando e conversando até de madrugada. O Simonal foi a trilha sonora dessa fase da minha vida.
Então, quando o filme estreou aqui em BH eu estava todo empolgado: - Agora, finalmente, vão redescobri-lo. Fui ao cinema no domingo, no BH Shopping, um dos mais movimentados da cidade. O cinema estava lotado, mas para assistir a "Anjos e demônios". Na nossa sala tinha apenas seis pessoas, três casais: eu e minha namorada-esposa, um casal de meia-idade e outro, de adolescentes.
Enquanto os adolescentes estavam na maior pegação, nós e o outro casal curtíamos o filme e principalmente as músicas. Estalávamos os dedos e batíamos os pés para acompanhar o ritmo da música: "Camisa verde claro, calça Saint-Tropez/e combinando com um carango, todo mundo vê/ ninguém sabe o duro que dei/ pra ter fon-fon trabalhei, trabalhei"... No final da sessão, trocamos olhares de cumplicidade.
Tomara que, apesar do aparente fracasso de público, o filme contribua para que Wilson Simonal seja finalmente anistiado.
4 comentários:
Bruno, excelente post com ótimas recordações. Pelo menos o cinema aqui de Sampa no qual eu vi o filme conseguiu ganhar do seu em número de espetactadores: 7 testemunhas hehehehe.
André, mas se você pegar o número de espectadores e dividir pelo número de habitantes da cidade, a minha sessão ganha!
Muito boa sua postagem. Tb sou fã de Simonal e asssiti o filme aqui em Belem, que a exemplo dai de BH tb não foi um sucesso de publico. Veja mais em minha postagem sobre ele.
Abraços dessa Belem ensolarada
Franz
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